domingo, 15 de setembro de 2019


                     

Morte – Um fim ou um recomeço? 


      A morte usa muitas roupagens. As imagens na nossa psique (alma) ou nas nossas fantasias de morte não aparecem como a morte em si. Perceba em seus sonhos: Quando você sonha que morreu, nunca é o final, geralmente a cena corta para um depois, ou se repete ou você acorda. Isso significa que a morte não aparece como fim, mas como uma possibilidade de um recomeço. Mesmo que você sonhe que morreu e acorda, continuará sua vida acordado, não é mesmo? A questão sempre fica em aberto. 


   
      Para sua psique, assim como o mundo a sua volta, a morte aparece a fim de dar lugar à transformação: A flor murcha para florescer de novo, a cobra perde sua pele para uma nova, o livro acaba e começarmos outro, o sol se põe para dar lugar a noite e voltar no dia seguinte, a criança vira adulta: essa é a forma criativa que mata o velho para produzir o novo.

      Quando se tem vontade de morrer, quando você tem fantasias ou acha que não tem mais sentido essa vida, algo está tentando se transformar: o padrão antigo precisa terminar completamente e uma nova vida precisa surgir. 

   
      Na psicoterapia, todas as fantasias e desejos de morte são explorados juntamente com o paciente a fim de buscar o significado disso para cada um. Dessa exploração conjunta, surgem outras imagens e símbolos que darão direção ao encontro da transformação que o indivíduo necessita. Assim como a alma grita e anseia pela transformação, ela também abre diversas possibilidades para isso. O analista, age como um “decifrador” e "ampliador" desses símbolos e o caminho é percorrido por ambos, passo a passo, em direção ao novo ser que desabrocha no percurso. 





Referência: HILMANN, James. Suicídio e Alma. Tradução: Sônia Maria Caiuby Labate, Petrópolis, RJ; Vozes, 1993.

segunda-feira, 2 de setembro de 2019



Suicídio, morte e alma


Quando nascemos, não temos idade suficiente para morrer mas, à medida em que crescemos, já estamos morrendo. A morte é nossa única certeza e este é o ciclo “natural” dos seres vivos. Entretanto, quando nos aproximamos da psique, da alma de uma pessoa, percebemos que não é tão simples assim. A morte e o suicídio são temas discutidos desde tempos antigos pelos filósofos, pela sociedade e pelas religiões.  

Há maior probabilidade de suicídio no lar do que num hospício. Pessoas famosas, amigos, vizinhos ou até nós mesmos. Este tema pode aparecer dentro do curso normal em qualquer vida e vem atrelado à vergonha: a lei considera crime, a religião pecado e a sociedade vira as costas. Tudo isso acaba fazendo com que a responsabilidade seja do próprio indivíduo. 


        Na sociologia, na medicina e na sociedade, o suicídio é visto como um problema de fora, sendo classificado, quantificado, generalizado. Pode ser um problema coletivo, um afrouxamento social, enfraquecimento de laços sociais, falta de Deus, clima, hereditariedade e diversas explicações científicas tem sido dadas pela maioria das ciências, criando teorias de prevenção em favor da vida.

Mas.. e a morte, quem olha?  A fantasia, as ideações, o devaneio, o indivíduo e sua alma.. quem olha? A ideia do suicídio vem carregado de significado e, nós, Psicólogos, perguntamo-nos que tragédia pessoal o faz escolher a morte. 

Os problemas não são classificáveis ou categorias médicas e sim, acima de tudo, experiências, sofrimentos e dores. O lado de fora é classificável, mas o lado de dentro é vivenciado, experienciado e cheio de significado. Nossa alma é cheia de imprecisões e complexidades, e cada um é um universo infinito e particular ao mesmo tempo que possui conteúdos coletivos, culturais. Acontece que, generalizar uma dor e quantificar o suicídio já é uma violência em si contra o ser humano.

Do ponto de vista sociológico, médico e teológico o suicídio pode ser prevenido, porém, antes de conhecer a alma que está por trás deste ou daquele sofrimento, não conseguirá. O Psicólogo é o único capacitado a  trazer o suicídio para perto e vivenciá-lo tal como seu paciente, chegando onde o suicídio faz sentido. 



O médico Psiquiatra não está apto a realizar este trabalho. Ele  de fora, seu único comprometimento é com a vida. Lhe prescreverá medicamentos para afastar a morte e a dor de viver.

O Psicólogo está comprometido com a alma daquele que o procura, ele conseguirá estar, ao mesmo tempo, dentro e fora, experienciando e observando. É o único profissional que dará atenção também e principalmente à morte, sabendo que ela não está sendo experienciada pelo ser e, por isso, vem à tona através de emoções, sentimentos e fantasias suicidas.

Vivemos para morrer. A vida só adquire valor porque está atrelada à morte, pois, é uma condição existencial: a condição de que a vida só tem sentido pela certeza da morte e, se não há sentido em viver, a morte pode parecer ser melhor escolha. 

Na Psicologia vida e morte podem ser experienciadas juntas: a morte pode ser experienciada durante a vida: simbolicamente através de fantasias, sonhos, nos sintomas de ansiedade aguda, nas experiências de quase morte, nas visões e, qualquer ato que afaste a morte, impede a vida. 






Referência: HILMANN, James. Suicídio e Alma. Tradução: Sônia Maria Caiuby Labate, Petrópolis, RJ; Vozes, 1993.

domingo, 1 de setembro de 2019


Autismo e neurodiversidade


 

Você já ouviu falar no termo neurodiversidade? 


O termo neurodiversidade foi cunhado pela socióloga e portadora da síndrome de Asperger Judy Singer em 1999 num texto com o sugestivo título de “Por que você não pode ser normal uma vez na sua vida? De um ‘problema sem nome’ para a emergência de uma nova categoria de diferença”, ou seja, trata-se de uma diferença humana que deve ser respeitada como outras diferenças, sejam elas raciais, sexuais, entre outras, também chamado neurologicamente divergentes ou neuroatípicos.

Diversas pessoas atualmente são diagnosticadas com o transtorno do espetro autista em todas as idades, desde a forma mais branda e de alto funcionamento (chamado Aspergers) até as formas mais severas, de baixo funcionamento, no qual há a ausência da fala entre outras dificuldades.

Pessoas como Bill Gates, Albert Einstein, Lionel Messi, Wood Alen e Isaac Newton são considerados ou diagnosticados autistas e provavelmente você nem sabia!


E aí.. Autista é deficiente ou neurodiverso?

Para alguns teóricos sobre modelos sociais, o conceito de deficiência só é considerado desvantajoso ou problemático porque vivemos em um ambiente social que considera isso desvantajoso. Exemplo: Andar de cadeira de rodas é um problema apenas por vivermos em um mundo cheio de escadas. Da mesma forma, podemos pensar no autista: só é um problema porque nossa sociedade estabelece o contato visual como um elemento básico para interação humana.

Se formos pensar bem, podemos estender isso mais além. Nossa sociedade cultua o corpo perfeito, onde os gordos, velhos e “deficientes” são rejeitados e excluídos. Isso só aumenta o preconceito e faz com que as pessoas sintam-se fracassadas por não atingirem o modelo ideal.

Você sabia que no século 19 os surdos eram considerados estrangeiros vivendo nos Estados Unidos e foi até cogitado pelo movimentos dos surdos fundar um estado no Oeste do país e, na Inglaterra, no anos 1880, foi sugerido que os surdos deixassem seu país e criassem um estado de surdos no Canadá? Pois é.. e hoje temos uma grande evolução em leis de inclusão e também na aprovação da lei que reconhece LIBRAS como um língua assim como o Português – A Linguagem Brasileira de  Sinais.

Existe atualmente, a chamada cultura autista, analogamente ao orgulho surdo, uma tomada de consciência de um grupo que foi estigmatizado pela maioria da sociedade. É uma autodeclaração de uma identidade: afirmar “sou surdo” ou “sou autista” permite que o discurso da dependência e anormalidade seja substituído pela celebração e o orgulho de ser autista, ser neurodivergente.

A procura pela cura dos autistas levaram diversas pessoas com esse espectro a se sentirem incompreendidos e desconsiderados e, como consequência disso, em 1992, surgiu entre os autistas australianos e dos Estados Unidos a Autism Network International (ANI) como o lema “nada sobre nós, sem nós”, ou seja, a tomada de decisões, no que se refere aos autistas, não pode acontecer sem a participação dos próprios autistas.


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Em contrapartida há também associações de pais pró-cura como a AMA (Associação de Amigos de Autistas) lutando pelo direito de terem terapias e medicamentos garantidos por lei para seus filhos autistas, principalmente a terapia cognitiva ABA (Análise Aplicada do comportamento – Applied Behavior Analysis) que, para muitos pais constitui a única terapia que permite que as crianças autistas realizem algum progresso no estabelecimento de contato visual e em certas tarefas cognitivas.

Para os ativistas do movimento anticura, essa terapia reprime a forma de expressão natural dos autistas e o movimento também visa impedir a ação medicamentosa desnecessária.

O fato é que, diante dos dois lados, o transtorno continua sendo uma categoria problemática, pois não existe consenso nem em relação à origem do transtorno, nem acerca da intervenção clínica mais adequada.

Toda essa discussão pode levar à questões sobre políticas públicas que possibilitassem o acesso ao tratamento àqueles que desejam ser tratados, o direito à recusa de quem não quer e também em um modelo de educação no qual respeitasse a diferença de cada criança cujas qualidades fossem maximizadas e defeitos minimizados.

Isso abre para outras questões também. Com o avanço das tecnologias, logo se encontrará um método para detectar o autismo em fetos e, com isso, a permissão do aborto nesses casos. É uma questão delicada, pois, até que ponto os exames conseguirão detectar o grau de autismo que a pessoa desenvolverá? Escolheríamos apenas pessoas perfeitas para o nosso padrão de perfeição?

Pró-cura ou anticura, o importante é pensarmos sempre na aceitação das diferenças e respeitar o padrão de funcionamento de cada um.

Se você conhece uma pessoa autista, procure saber o que a incomoda, mas saiba que ela pode gostar sim de interagir com os outros. Assim como uma pessoa neurotípica tem suas preferências (eu, por exemplo, sou introvertida e, geralmente não começo assuntos a não ser que a pessoa venha conversar comigo!) a pessoa autista também tem seu modo de agir no mundo! Aliás, todos tem sua forma, não é mesmo? =)




Na Psicologia, temos o dever de respeitar a natureza e a diferença das pessoas, sem violentá-las ou estigmatizá-las por qualquer condição que se encontre, isto está em um dos princípios fundamentais no nosso código de ética: “II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Se você quiser saber mais sobre o mundo autista, existem diversos sites e vídeos feitos por autistas que explicam mais a fundo suas experiências e diferenças, alguns deles: 

           https://www.youtube.com/watch?v=TknFlj_xUK4






Referência: ORTEGA, Francisco. Deficiência, Autismo e neurodiversidade. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v14n1/a12v14n1.pdf